Quando tudo está configurado para criar um Curdistão independente, Thierry Meyssan vê nisso uma manipulação do sonho do povo curdo em proveito de Israel, dos Estados Unidos e da Turquia. Tal como também denuncia o projeto de limpeza étnica dos Barzani e destaca a oposição do PKK à criação de um «Curdistão» deste tipo.
Quando David Ben-Gurion proclamou unilateralmente o Estado de Israel, a sua defesa pressupunha que se criasse uma zona de segurança em torno dele. Foi a implementação da estratégia europeia das «etapas»: as guerras israelitas (israelenses- Br) tentavam estender o seu território e, por norma, desmilitarizar as zonas situadas junto à sua fronteira. No entanto, com o surgimento e disseminação dos mísseis, a táctica de congelamento de «etapas» já não garantia mais grande coisa. De modo que em 1999 Israel hesitou em devolver o Golã [1], e em 2000 preferiu retirar-se do sul do Líbano mais do que continuar a ser flagelado pelo Hezbolla.
Aos poucos uma outra doutrina militar impôs-se: a segurança de um território dependeria da capacidade de destruir os mísseis que o ameaçassem a maior distância. Seria preciso, então, não só desmilitarizar as suas etapas, para se proteger de uma invasão terrestre, mas também constituir um círculo de proteção para além dos Estados inimigos, afim de neutralizar a ameaça dos mísseis. Daí a criação do Sudão do Sul (2011) e dentro em breve do Curdistão (2015?). Desta forma, Israel poderá ameaçar ao mesmo tempo o Egipto, a Síria e o Líbano.
A experiência do Sudão do Sul mostra o carácter artificial destas criações. Trata-se, de momento, de um Estado sem Estado, de uma zona sem-direito ocupada pelo exército israelita.
Do ponto de vista norte-americano a criação do Curdistão é uma etapa da remodelagem do «Próximo-Oriente alargado» (Greater Middle East), ou seja, da divisão da área em micro-estados etnicamente homogéneos, fáceis de dominar. É por isso que o Pentágono se colocou como subscritor ausente. Aquando da reunião, à porta fechada, durante a qual o secretário da Defesa, Chuck Hagel, e o Chefe do Estado Maior, o general Martin Dempsey, vieram explicar aos parlamentares do Congresso a situação no Iraque, eles não só fingiram ter perdido o dossiê de Abu Bakr al-Baghdadi (e, portanto, ignorar porque o tinham preso em 2004, e porquê o libertaram alguns meses mais tarde) [2], mas admitiram não ter nenhum plano de intervenção e deixar o campo inteiramente livre ao Emirado Islâmico e ao Curdistão [3] .
Do ponto de vista turco este «Curdistão» é igualmente uma bênção para regular o seu problema curdo. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan tem soprado toda a operação aos ouvidos da família Barzani. Além disso, ele acabou de fazer votar no seu Parlamento uma lei autorizando-o a negociar com os curdos da Turquia: os parlamentares que contribuírem para desarmar, e integrar, os rebeldes serão isentados de acusações judiciais [4]. O primeiro-ministro espera ser eleito presidente com os votos dos curdos da Turquia que lhe agradeceriam assim de apadrinhar o «Curdistão»(nascimento-ndT), no exterior. Claro que é pouco provável que ele prossiga a sua abertura uma vez eleito.
O povo curdo cometeria um grande erro em acreditar que o «Curdistão» que lhe propõem os Israelitas e os Turcos será aquele ao que ele aspira. Ao contrário do seu ancestral Saladino, o Magnífico, que libertou e unificou o Levante, o clã Barzani separa-os de outras populações da região, árabes, arménios, etc. e irá transformá-los em auxiliares do apartheid.
Enquanto na internet os membros do PDK debatem a sua futura moeda, o Kuro [5], os Barzani comportam-se já como se tivessem vencido com a ajuda israelita. Eles enviaram os peshmergas (guerreiros curdos-ndT) para capturar os campos petrolíferos de Bai Hassan e Kirkuk— pretensamente para os salvaguardar das manobras de Bagdade (Bagdá-Br)— e expulsar de lá os trabalhadores árabes [6].
Em relação a isto não há dúvidas, o projeto israelita dos Barzani pressupõe uma limpeza étnica, que está apenas a começar.
De imediato o PKK, de Abdullah Öcalan, apelou para não se cair na armadilha. Publicou um extracto da reunião secreta realizada, a 1 de junho, em Amã, no decurso da qual os grupos islamistas armados e o PDK de Massoud Barzani concluíram a sua aliança e planificaram(planejaram-Br) o ataque coordenado ao Iraque [7]. O PKK apelou a uma mobilização geral do povo curdo contra o projeto israelita dos Barzani.
Pelo seu lado, o Primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, revelou que o seu exército não podia atacar o alto-comando do Emirado islâmico… porque este estava sediado em Erbil (capital da zona Curda iraquiana-ndT) e protegido pelo governo local do Curdistão.
Duas linhas se opõem, pois, mas só o povo curdo pode fazer fracassar o plano israelita.