5/9/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Tradução: Vila Vudu
Abu Bakr al-Baghdadi (Califa Ibrahim) |
O Califa Ibrahim, codinome Abu Bakr al-Baghdadi, autodeclarado líder do Estado Islâmico, ex-Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL, ing.) realmente não tem veia de marketing & Relações Públicas que preste! Quando o showestava pronto e agendado, para que a OTAN salvasse a Ucrânia e a civilização ocidental – pelo menos no plano retórico – das garras daquele Império do Malremixed, a Rússia… Vem o Califa e, tendo acessado seu caríssimo relógio mágico, intromete-se na programação, com mais um daqueles seus especiais de “cortem a cabeça deles!”.
Muito adequadamente, houve desconfianças e sobrancelhas arqueadas, que duraram até que toda a sopa-de-letrinhas das agências de inteligência dos EUA solenemente confirmaram que o EI, sim, realmente degolara mais um jornalista norte-americano em vídeo (de Barack Obama, presidente dos EUA: “Ato de violência horrífico”).
E então, sem mais nem menos, vem O Califa, repica e proclama ao mundo que seu próximo alvo será ninguém menos que o presidente russo Vladimir Putin. Estaria falando pelo recentemente posto em ostracismo príncipe Bandar bin Sultan da Arábia Saudita, codinome Bandar Bush?
Em tese, tudo estaria resolvido. O Califa passa a ser prestador contratado de serviços para a OTAN (ele já trabalha no ramo, praticamente…). O Califa degola Putin. O Califa liberta a Chechênia – serviço rápido, não aquela coisa terrivelmente embaraçosa, confusão sem fim, no Afeganistão. O Califa, de enfiada, já ataca logo os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Califa vira Secretário−Geral−Sombra da OTAN. E Obama finalmente para de reclamar que seus telefonemas para Putin só caem na caixa postal.
Ah, se geopolítica fosse simples como filme tranca−quarteirões da Marvel Comics.
Ora! O Califa deveria saber – dado que, em grande medida, é produto Made-in-the-Ocidente, com substancial input de petrodólares do Conselho de Cooperação do Golfo – que a OTAN jamais lhe prometeu um jardim de rosas.
David Cameron e Barack Obama |
Assim aconteceu, previsivelmente, que aqueles ingratos, Obama e
David Cameron, primeiro-ministro britânico – oh yes, porque o “relacionamento especial” é tudo que importa na OTAN, os demais são figurantes – juraram sair à caça do Califa com uma ampla (quer dizer… Não é assim tãããão ampla) “coalizão de vontades”, com os suspeitos de sempre do Conselho de Cooperação do Golfoplus Turquia e Jordânia, bombardeando o Curdistão Iraquiano, partes do Iraque sunita e até a Síria.
Afinal de contas, o presidente da Síria “Bashar al-Assad-tem-de-sair”, não mais “a brutalidade de Assad” na formulação de Cameron, é o verdadeiro culpado pelas ações de O Califa. E tudo em nome da Guerra Global ao Terror à moda da Operação Liberdade Duradoura Forever.
Agora, me tragam aquele Califa Eslavo
Entrou água, pode-se dizer, na festa do secretário-geral (em final de mandato) da OTAN Anders “Fog(h) da Guerra” Rasmussen. Afinal, estava combinado que aquele seria o “momento crucial”, na cúpula da OTAN em Gales, quando a OTAN alcançaria o píncaro de sua Guerra Fria 2.0, resgatando “os aliados”, todos os 28, das profundas tenebrosas da insegurança.
Basta ver a réplica de um glorioso Magnata Eurocombatente plantada lá, em frente ao hotel onde acontece a reunião da OTAN na cidade de Newport, sul de Gales.
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Putin expôs um plano de paz para a Ucrânia |
E, cúmulo dos cúmulos, aquele maldito Califa Eslavo do Mal, Vlad Putin em pessoa, construiu um plano de paz de sete itens, para resolver o sorvedouro ucraniano – bem quando o imponente exército de Kiev foi reduzido a estrogonofe pelos federalistas e/ou separatistas no Donbass. O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko – que até praticamente ontem ainda berrava “Invasão!” a plenos pulmões – soltou longos suspiros de alívio. E até revelou, detalhe, que Kiev estava recebendo armamento de alta precisão de país sem nome, que só pode ser EUA, Reino Unido ou Polônia.
A coisa toda gerou grave problema, porém. Contra quem/o quê a OTAN defenderá a Civilização Ocidental, se tudo que se disse até hoje sob o rótulo “agressão russa” aparece agora sobre o palco identificado como mapa do caminho para a paz?
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Donald Rumsfeld |
Não surpreende que os 60 chefes de estado e de governo com respectivos Ministros da Defesa e de Relações Exteriores – que brindaram o mundo com invasão “soft”/furo consentido do “anel de aço” que cerca Newport impedindo que se aproximem as hordas de manifestantes protestantes – tenham ficado confusos, com cara de zonzos.
Mais de 11 anos depois de “Choque e Pavor”, ainda vivemos em mundo rumsfeldiano. Foi o ex-chefe do Pentágono, Donald Rumsfeld, quem, no governo de George “Dábliu” Bush, conceptualizou a “Velha Europa” e a “Nova Europa”. “Velha”, a das bonecas venusianas. “Nova”, dos marcianos muito machos.
A “Nova” apoiou totalmente a operação Choque e Pavor e a subsequente invasão/ ocupação do Iraque. Hoje, apoia – de fato implora, suplica – que a OTAN encare a Rússia.
A “Velha”, por sua vez, tenta pelo menos salvar um espaço de negociação com Putin. E no final a amada prudência [orig. “dear prudence” (NTs)], exercida especialmente por Berlin, foi recompensada pelo plano de paz de Putin.
Pelo sim pelo não, para não frustrar demais o Império do Caos, Paris anunciou que não entregará a Moscou no prazo agendado os primeiros dois navios de assalto porta-helicópteros Mistral comprado pelos russos. Claro que a OTAN condenou fortemente a Rússia na questão Ucrânia, e a União Europeia seguiu-a com ainda mais sanções.
Quanto a Fog(h) da Guerra, continua a repetir sua retórica de Marte Ataca! (ver“OTAN Ataca!”, redecastorphoto, 4/9/2014). Tudo culpa de Moscou. A OTAN é só inocente força só de apaziguamento – sólida e poderosa. Ao mesmo tempo, a OTAN não seria doida de pôr-se a começar a apontar a Rússia como inimiga direta.