Tradução Vila Vudu
Teerã veio a público hoje, para alertar a Turquia contra “qualquer movimento que exacerbe e complique ainda as condições na região e venha a ter consequências irreparáveis”. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores revelou que Teerã fez uma
démarche com Ancara, para que aja com grande prudência. É a primeira reação iraniana, desde que o
Parlamento turco aprovou, na 5ª-feira (2/10/2014), resolução que autoriza o governo a enviar tropas para a Síria.
A reação iraniana é forte e implica aviso de que, se tropas turcas cruzarem a fronteira turca, haverá “consequências irreparáveis”. Hmm. As coisas estão ficando altamente explosivas. Por que essa reação tão forte, dos iranianos?
Evidentemente, Teerã já decifrou o plano de jogo do primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que está jogando por três trilhas. Erdogan calcula que a campanha aérea dos EUA contra o Estado Islâmico não bastará para conter a ameaça extremista, e que serão indispensáveis os “coturnos em solo”. Sabe que a Turquia é o único país em posição de mobilizar ali os coturnos em solo necessários para reforçar a estratégia dos EUA contra o Estado Islâmico.
Assim sendo, Erdogan impôs uma pré-condição – entrará no jogo, desde que os EUA remodelem sua estratégia anti-EI na Síria, para incluir “mudança de regime”. Mas Washington prevaricou. Então, Erdogan jogou sua segunda carta – reviveu a antiga proposta turca, de criar uma “zona segura” [orig.buffer zone] dentro da Síria. Na sequência, converteu a “zona tampão” em precondição para Ancara intervir para defender a cidade de Kobane, no norte da Síria, junto à fronteira turca, que estava sendo atacada pelo Estado Islâmico.
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Forças turcas observam ataque do ISIS/ISIL em Kobane (8/10/2014) |
Mais uma vez, Washington vacilou. Kobane já está sob controle do Estado Islâmico. Mas, de um modo ou de outro, Erdogan marcou um gol: Kobane é cidade curda e a captura pelo EI enfraquece a organização separatista curda PKK que combate contra o exército turco.
Posto em forma simples, Erdogan está permitindo que o Estado Islâmico (que a Turquia apoia secretamente) esmague os curdos no norte da Síria, enquanto, ao mesmo tempo oferece ajuda a Obama para combater o EI, desde que, claro, os EUA acompanhem as ambições territoriais turcas (disfarçadas sob os planos para zona “tampão” e “zona aérea de exclusão”) na Síria – que seriam o primeiro tiro com vistas à “balcanização” daquele país.
Por quanto tempo Barack Obama conseguirá resistir contra a chantagem de Erdogan? A resistência dos EUA contra a ideia da “zona segura” está enfraquecendo, como o secretário de Estado
John Kerry deixou fortemente sugerido hoje (9/10/2014) em comentário que fez depois de reunir-se com seu contraparte britânico – embora o
Pentágono ainda insista que aquela “zona segura” não está sendo considerada na estratégia dos EUA. O ponto é que Obama já está sendo criticado em casa por ter “feito pouco” para impedir a queda de Kobane.
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Recep Erdogan e Jens Stoltenberg (9/10/2014) |
Não há dúvida de que está havendo uma acumulação de energia na direção de a OTAN intervir na Síria. Pode vir sob aparência modesta, no início, em termos de a OTAN oferecer “proteção” a um estado membro (Turquia).
O poderoso presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados dos EUA Edward Royce
disse em declaração na qual critica duramente o governo Obama, que “um exército terrorista está às portas da OTAN. É tempo de a Turquia e outros membros da Aliança passarem a envolver-se mais fortemente no combate contra o
ISIL na Síria”.
Erdogan provavelmente está avaliando que, se tropas turcas invadem a Síria sob a proteção de uma operação da OTAN, o Irã (e a Rússia) hesitarão antes de empreender qualquer contrarreação que as poderia por numa rota de colisão contra a aliança ocidental.
Mas Teerã parece ter já decifrado essas intenções. O
porta-voz do ministério de Relações Exteriores anunciou hoje que o Irã está disposto a intervir (militarmente) para libertar Kobane do EI, se o governo sírio do presidente Bashar Al-Assad fizer essa solicitação a Teerã. Em termos reais, Teerã já esvaziou o pretexto para uma intervenção da OTAN na Síria.
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Refugiados curdos chegam na Turquia (7/10/2014) |
Na verdade, se os curdos conseguirem livrar Kobane sem ajuda do Irã, Erdogan ficará completamente exposto. As repercussões podem ser muito sérias para a Turquia, porque os curdos não aceitarão o que estará claramente visível como uma traição cometida por Erdogan.
Já irrompeu violência antigoverno em grande escala nas regiões curdas, no leste da Turquia.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.