Até recentemente, uma hipótese de trabalho geopolítica séria era a de que o Oeste Asiático e a Ucrânia eram dois vetores do modus operandi padrão do Hegêmona
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Fumaça perto de edifícios residenciais em uma foto tirada por um drone em Aleppo, Síria, 3 de dezembro de 2024 (Foto: REUTERS/Mahmoud Hasano)
Uma coalisão de neocons straussianos nos Estados Unidos, sionistas revisionistas linha-dura em Tel Aviv e tons de cinza neonazistas ucranianos vem agora apostando em uma Confrontação Final – com diversas nuances, indo desde expandir o lebensraum a provocar o Apocalipse.
O que lhes barra o caminho são, essencialmente, dois dos principais BRICS: Rússia e Irã.
A China, protegida por seu elevado sonho coletivo de “uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade”, assiste cautelosa, à distância, por saber que, ao final das contas, a verdadeira guerra “existencial” a ser travada pelo Hegêmona é contra ela mesma.
Enquanto isso, a Rússia e o Irã têm que se mobilizar para uma Totalen Krieg. Porque é isso que o inimigo está deslanchando.
A total desestabilização da Síria, com forte participação da CIA-MI6, vem avançando em tempo real, e é uma jogada cuidadosamente arquitetada para enfraquecer os BRICS e além dele.
Ela avança paralelamente a Pashinyan retirando a Armênia da Organização do Tratado de Segurança Coletiva OTSC – com base em uma promessa dos Estados Unidos de apoiar Yerevan em um possível confronto com Baku; à Índia ser incentivada a escalar a corrida armamentista com o Paquistão e uma ampla e total intimidação do Irã.
Essa, portanto, é uma guerra para desestabilizar o Corredor Internacional de Transporte Norte Sul – CITNS, do qual são membros três dos grandes protagonistas dos BRICS – Rússia, Irã e Índia.
Nas atuais circunstâncias, o CITNS é totalmente imune a riscos geopolíticos. Como um dos principais corredores em construção dos BRICS, ele tem o potencial de se tornar ainda mais eficaz que diversos dos corredores chineses da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) que cruzam o Heartland.
A Turquia de Erdogan, como de costume, joga um jogo duplo. Retoricamente, Ancara se posiciona a favor de uma Palestina soberana e a salvo do genocídio. Na prática, a Turquia apoia e financia um bando sortido de jihadistas do Grande Idlibistão – treinados por neonazistas ucranianos no uso bélico de drones e com armas financiadas por Qatar – que acabaram de avançar e conquistar Alepo, Hama e talvez ainda mais além.
Se esse exército de mercenários fosse composto por verdadeiros seguidores do Islã, eles estariam marchando em defesa da Palestina.
Ao mesmo tempo, o verdadeiro quadro, nos corredores do poder de Teerã, é extremamente sombrio. Há facções que defendem uma aproximação com o Ocidente, o que obviamente teria ramificações para a capacidade do Eixo de Resistência de lutar contra Tel Aviv.
Quanto ao Líbano, a Síria nunca hesitou. A história explica por quê: do ponto de vista de Damasco, o Líbano continua sendo um governorato, de modo que Damasco é responsável pela segurança de Beirute.
Quando em dúvida, leiam Xenofonte
As guerras no Oeste Asiático são uma mistura complexa de vetores nacionais, sectários, tribais e religiosos. Em um certo sentido, são guerras eternas, controláveis até certo ponto, mas sempre se repetindo.
A estratégia russa na Síria parecia muito precisa. Já que era impossível normalizar um país totalmente fragmentado, Moscou optou por libertar a Síria que realmente importa – a capital, as principais cidades e a costa do Leste do Mediterrâneo.
Algumas coisas nunca mudam.
2012. Jake Sullivan, então assessor de Hillary Clinton: “A AQ [al-Qaeda*] está do nosso lado na Síria”.
2021. James Jeffrey, enviado especial à Síria no governo Trump (2018-2020): “O HTS [Hayat Tahrir al-Sham*] é um recurso valioso para a estratégia dos Estados Unidos em Idlib”.
A história sempre nos ensina. A Síria é hoje uma Anábase Oeste Asiática. Xenofonte – soldado e autor – nos conta que, no século IV A.C., uma “expedição” (“anabaasis, em grego antigo) de 10 mil mercenários gregos foi contratada por Ciro, o Jovem, contra seu irmão Ataxerxes II, Rei da Pérsia, da Armênia ao Mar Negro. A expedição falhou miseravelmente e a volta foi dolorosa e infindável.
2,400 anos mais tarde, vemos governos, exércitos e mercenários ainda mergulhados nas Guerras Eternas do Oeste Asiático – e sair delas, agora, é um problema ainda mais insolúvel.
A Síria está agora cansada, dividida e com o SAA tornado complacente com o longo congelamento da guerra em 2020. Tudo isso somado ao odioso cerco da fome deslanchado pela Lei César dos Estados Unidos e à impossibilidade de reconstruir o país com a ajuda de 8 milhões de cidadãos que fugiram da infindável guerra.
A China manteve-se basicamente imóvel. Pequim simplesmente não investiu na reconstrução da Síria.
As perspectivas são desanimadoras. Até mesmo a Rússia – que de fato é um ícone da Resistência, mesmo que não formalmente parte do Eixo da Resistência do Oeste Asiático – vem enfrentando, há três anos, um árduo trabalho em sua luta na Ucrânia.
Apenas um Eixo da Resistência coeso e consolidado – após se livrar dos incontáveis quintacolunistas infiltrados – teria alguma chance de não ser abatido um a um pelo mesmo inimigo consolidado, vez após outra.
Às vezes parece que os BRICS – em particular a China – não aprenderam coisa alguma com Bandung 1955, e sobre como o Movimento Não-Alinhado (MNA) foi neutralizado. ]
Não é possível vencer uma desapiedada hidra hegemônica com flower power.
* organizações terroristas banidas na Rússia e em muitos outros países.
Tradução de Patricia Zimbres
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Oriente Mídia.
Fonte: Brasil 247.