“Notícias falsas podem ser perigosas. Mas não são as falsas notícias de um ou outro blogueiro ou de veículo que ninguém lê/ouve/vê as que mais ameaçam a segurança e a vida dos cidadãos e a qualidade das políticas. O mais grave perigo está no falso noticiário disseminado por grandes veículos e grandes agências das grandes mídia-empresas.”
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Noticiário não factual, de notícias falsas, tem consequências políticas. Isso, especialmente quando propagandistas de partidos políticos recolhem o noticiário falso para promover as respectivas agendas. Não é fácil investigar cientificamente o rastro das notícias falsas, mas ofereço aqui um caso recente, “colhido in natura“.
A Associated Press é agência de distribuição de notícias sem finalidades de lucro e política, dita neutra, mantida por mídia-empresas (de jornais e outras mídias) norte-americanas de várias filiações políticas. A ampla faixa de consumidores (quase sempre) impede a agência de produzir exclusivamente reportagens domésticas partidarizadas. Mas nas questões internacionais, isso muda muito.
A seleção de itens de noticiário que AP recolhe, produz e distribui é orientada pelos interesses de seus consumidores e, portanto, nada tem de ‘isenta’. Mas o noticiário de eventos, de itens noticiosos é em geral direto – ou há quem creia que seria. Às vezes, tomam-se decisões políticas baseadas em noticiário da AP. É motivo portanto de justa preocupação, quando a AP distribuiu noticiário obviamente falso.
Ontem, a AP saiu-se com a seguinte notícia:
Rússia diz que matou o líder do Estado Islâmico al-Baghdadi. https://apnews. com/…
7:51 AM – 16 Jun 2017
O Ministério da Defesa da Rússia disse que Abu Bakr al-Baghdadi foi morto num ataque russo, no final de maio, com outros altos comandantes do grupo.
A matéria da AP pareceu-me imediatamente errada. A Rússia é sempre muito cautelosa com esse tipo de comunicado, e tende a não fazer declarações assim tão peremptórias. (Militares dos EUA, por sua vez…)
Examinei a agência oficial russa, TASS e, sim, a notícia tinha marcadas diferenças: Alto comandante do EI pode ter sido morto em ataque aéreo russo na Síria
Em declaração, o Ministério da Defesa disse que a Força Aérea Russa atacou uma reunião de líderes do Estado Islâmico dia 28 de maio, nos arredores de Raqqa, Síria, capital de facto do grupo, e que é possível que Mr. Baghdadi tenha sido morto.
Moon of Alabama Retweeted The Associated Press
Tass diz que a Rússia está apenas investigando um informe que circulou.
@AP exagerou? Para culparem a Rússia, quando/se a notícia confirmar-se falsa?
http://tass.com/world/951708
8:43 AM – 16 Jun 2017
Paul Cruickshank é:
Cinco razões pelas quais devemos desconfiar muito do q diz a Rússia sobre Baghdadi.
9:47 AM – 16 Jun 2017
5. É ‘notícia’ que vem dos russos, que têm todo o interesse em serem vistos como verdadeiros combatentes contra o ISIS (mesmo que os russos estejam focados em coisas muito diferentes)
9:54 AM – 16 Jun 2017
Obama e Kerry já o admitiram publicamente (as citações estão no final da página). Só depoisque a Rússia denunciou que milhares de caminhões tanques transportavam petróleo de áreas do ISIS para a Turquia, sem que os EUA interviessem, foi que os EUA começaram a trabalhar para destruí-los. Cruickshank está usando a notícia falsa inventada pela AP para promover sua própria narrativa falsa, segundo a qual Rússia e Síria não combateram e não combatem contra o ISIS.
Outro desses propagandistas é o promotor pago pelo Golfo, de “rebeldes” takfiris na Síria, Charles Lister: Declarações russas sobre Baghdadi precisam ser verificadas
O que diz a Rússia, que teria matado o líder Abu Bakr al-Baghdadi, do ISIS num ataque aéreo em Raqqa dia 28 de maio deve ser tomado com extrema desconfiança.
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A Rússia tem longa história de declarações falsas e de desinformação deliberada ao longo de sua campanha na Síria.
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Mais importante do que as mentiras da Rússia (…)
Cruickshank e Lister ambos vivem de distribuir propaganda mal-intencionada sem qualquer base factual, vendida como se fosse conclusão extraída da ‘notícia’ contida em despacho da AP. Mas o despacho da AP era falsa notícia.
Se é preciso tomar a notícia com “extrema desconfiança”, por que não ir à origem e começar por verificar a veracidade da primeira matéria? Exatamente o que Lister e Cruickshank obviamente não fizeram.
Até a Associated Press já semicorrigiu a falsa notícia que distribuiu inicialmente. Agora o que se lê no mesmo link de antes é: Incerteza cerca o destino do líder do Estado Islâmico depois do ataque aéreo. (Mas o link para a matéria semicorrigida ainda é “Rússia diz que matou o líder do Estado Islâmico”.)
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Além do que diz Moscou, que ele pode ter sido morto no ataque do dia 28 de maio, com mais de 300 militantes, não há muito mais que confirme essa versão. O Ministério de Defesa da Rússia disse que a informação sobre sua morte ainda “está sendo verificada por vários diferentes canais.”
Apesar de a AP ter corrigido a matéria inicial, nem o tuíto original nem outras matérias jornalísticas erradas derivadas do despacho inicial errado da AP mereceram qualquer correção. Os propagandistas que expõem e promovem como se fossem noticiário as suas próprias ideias políticas, baseadas em noticiário falso, com certeza jamais corrigirão ou atualizarão suas ‘colunas’.
Notícias falsas podem ser perigosas. Mas não são as falsas notícias de um ou outro blogueiro ou de veículo que ninguém lê as que mais ameaçam a segurança e a vida dos cidadãos e a qualidade das políticas. O mais grave perigo está no falso noticiário disseminado por grandes veículos e grandes agências das grandes mídia-empresas.
Notem que o informe original da AP, que se vê na imagem do tuíto, mostra “MOSCOU” junto à data. Na versão corrigida, aparece “Beirute” ao lado da data. O autor da notícia falsa original distribuída pela AP foi seu correspondente em Moscou Vladimir Isachenkov. É perfeitamente justo dizer que outras matérias de Isachenkov de Moscou só muito raramente são simpáticas ao ponto de vista russo nas respectivas questões. Asreportagens nesse caso são sempre reflexo da predominância jamais questionada do ponto de vista dos EUA – seja certo ou errado. O ponto de vista dos russos jamais é analisado por seu valor intrínseco, mas sempre em relação ao interesse dos EUA, com a posição dos norte-americanos tomada como verdade indiscutível e perene.
Fica-se sem saber como esse tipo de posicionamento poderia ajudar a opinião pública e os legisladores norte-americanos a saber mais e a avaliar melhor as políticas e atitudes de russos e norte-americanos. Tampouco se entende que serventia teria uma grande agência de distribuição de noticiário que distribua esse tipo de noticiário viciado, se não completamente falso… diretamente de Moscou!*****