Quem são os intelectuais bilionários que trabalham com Trump

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Presidente dos EUA e tecnocratas do Vale do Silício querem destruir o liberalismo e implementar nova ordem que pode dilapidar a tradição ocidental

Por Martim Vasques da Cunha

 O que Peter Thiel, Alexander Karp, Nick Land, Curtis Yarvin e Elon Musk têm em comum? Personalidades influentes no conservadorismo americano, eles acreditam que a democracia liberal levou o Ocidente a um estado de estagnação e corrupção moral. Atuando nas sombras do governo de Donald Trump, defendem que apenas um grande esforço conjunto para dominar a inteligência artificial, a nova bomba atômica, permitirá solucionar esse impasse e aperfeiçoar o mundo —o que, para os cidadãos comuns, pode significar o fim da tradição democrática.
Talvez sem saber, o cineasta Christopher Nolan nos revelou, em seu filme “Oppenheimer” (2023), a lógica suprema do segundo governo de Donald Trump.
Em uma fala do personagem Lewis Strauss, que na vida real participou dos bastidores da administração americana durante a Guerra Fria, o ator Robert Downey Jr. profere as seguintes palavras com eloquência grega: “Amadores procuram o sol. São devorados. O poder mora nas sombras”.
Socialismo À-la-carte, platone, protestantesimo e sicurezza nazionale: viaggio al cuore di :..

Os investidores bilionários Peter Thiel, Alexander Karp e Elon Musk, que articulam projeto  do governo Trump.

A referência é ao mito grego de Ícaro, que constrói uma asa com penas e cera para fugir da prisão labiríntica criada por seu pai, Dédalo. Ícaro ignora os conselhos e aproxima-se demais do Sol, fazendo com que a cera derreta, ele caia do céu e morre  afogado.
Hoje a frase dita no filme também pode ser aplicada às cabeças que tentam manobrar Trump: Peter Thiel, Alexander Karp, Nick Land, Curtis Yarvin e Elon Musk.
Comecemos pelos amadores: apesar de ser um bilionário, de ser considerado o “Napoleão dos nossos tempos” e de ter feito revoluções tecnológicas admiráveis, tanto no campo da corrida espacial (as naves e os mísseis da Space X) quanto da mídia (a compra do Twitter, rebatizando-o de X), Musk é o “boi de piranha” desta administração.
A função dele é apenas aguentar os choques da oposição contra Trump —e nada mais. Esqueçam o comando de Musk no tal do Doge (Departamento de Eficiência Governamental). Serve apenas à superfície de um plano muito mais ousado, no qual a reforma do Estado é somente o primeiro passo.
Uma reforma a ser feita de maneira a privilegiar o comando de uma mão de ferro, de um presidente que aja como um César redivivo, impondo medidas executivas de cima para baixo: eis o sonho de Curtis Yarvin, também conhecido pela alcunha de Mencius Moldbug (o primeiro nome é uma referência ao pensador chinês Confúcio).
Yarvin (que veio ao Brasil em 2023 divulgar suas ideias para pequenos grupos da direita) deve ser lido com extrema cautela. O motivo? Não é sua visão de mundo, composta por um certo pessimismo sobre a capacidade de mudar a burocracia que realmente comanda um governo, mas simplesmente porque na verdade ele está tirando sarro do público. Yarvin é um troll do pensamento, no jargão da internet. Seu papel no jogo do poder é satirizar as nossas expectativas racionais.
Por falar em racionalidade, não podemos nos esquecer de Nick Land. Oriundo daquela terra onde o cinza de chumbo é predominante em sua paleta de cores (a Grã-Bretanha), ele defende um “aceleracionismo” da realidade, cuja mistura inusitada de Adam Smith e Karl Marx será a mola propulsora para um novo tipo de progresso que simplesmente precisa desprezar a democracia liberal. Se você achou que isso era um ensaio para um filme de horror, acertou.
Mas, calma: haverá a solução para todos esses impasses —a “República Tecnológica”. Este é o termo usado por Alexander Karp (junto com Nicholas Zaminska) em seu livro de mesmo nome, lançado com sucesso no início deste ano nos EUA e a ser publicado no Brasil no próximo mês pela Intrínseca.
Em seu tratado, Karp tem a seguinte tese: nos últimos 30 anos, a elite do Vale do Silício perdeu a sua vocação. Preferiu se render à criação de produtos de bens de consumo (aplicativos, computadores pessoais e serviços de comércio) ao invés de compreender que a internet foi a primeira fase para uma inovação sem precedentes.
O correto, diz, seria que essa mesma elite se unisse ao Estado americano em um novo plano de defesa, que combinasse tecnologia de ponta e uma mão de obra extremamente eficiente, com o objetivo de impedir que uma outra superpotência (a China) lidere a corrida sobre quem vai dominar um novo tipo de bomba atômica —a inteligência artificial (IA).
A comparação de Karp entre esses dois tipos de inventos é consciente. Para ele, os EUA precisam embarcar em um novo Projeto Manhattan, a empreitada que deu origem à maior arma de destruição em massa já criada pelo homem. Agora, porém, em vez de manipular a estrutura do real por meio de prótons e nêutrons, o que temos é a IA alterando por completo o conhecimento do próprio mundo.
Por isso, Karp defende que, em termos educacionais, é necessária também uma reviravolta nos valores. Neste sentido, os EUA precisam redescobrir a importância de defender a “civilização ocidental”. Em outras palavras: Karp é contra toda e qualquer espécie de cultura identitária. Na sua ótica, o wokeísmo enfraqueceu a nação americana nos seus fundamentos, impedindo-a de promover um debate saudável sobre assuntos seríssimos, em particular nas universidades.
Disso, avalia, resulta uma elite política e econômica que, assim como os companheiros de Karp no Vale do Silício, é incapaz de dominar a própria tecnologia que criou e, portanto, incapaz também de reconstruir a república que irá aperfeiçoar o resto do mundo.
O que Alexander Karp propõe, sem nenhum pudor, é um autêntico projeto de poder digno de Platão. E o sócio dele na Palantir, o empreendedor Peter Thiel, notório por ter sido o investidor-anjo de uma empresa chamada Facebook, concorda com isso em gênero, número e grau.
Dono de um intelecto aguçado, capaz de financiar diversas iniciativas políticas e culturais (além da startup de Curtis Yarvin, bancou a campanha de J.D. Vance para o Senado, o que possibilitou a entrada deste último como vice-presidente na chapa de Trump em 2024), Thiel tem uma visão de mundo sofisticada, impossível de ser reduzida a clichês ideológicos. É alguém que deve ser respeitado e temido antes de ser desprezado (como a intelligentsia progressista faz com ele nos últimos anos).
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